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A evolução da melancolia enquanto elemento chave nas séries de comédia
A evolução dos seriados de TV enquanto um dos gêneros audiovisuais de maior importância nas últimas duas décadas é um fenômeno que, por si só, já seria considerado um marco para a produção de narrativas seriadas. Mas, como quase todas as coisas, o foco maior que esse tipo produto ganhou trouxe seu lado bom e também seu lado ruim.
Com o número cada vez maior de séries sendo produzidas, um dos principais desafios das emissoras hoje em dia é produzir um conteúdo inédito, que não soe como uma cópia de tudo que já foi feito ou como uma arrumação mal feita de ideias já usadas. É cada vez mais difícil produzir conteúdo que não pareça datado, repetido ou original. Tentando driblar tais problemas, as série de comédia em sua maioria tem trilhado um caminho interessante e apostando em um humor um tanto quanto melancólico.
É um passo e tanto para o gênero que se popularizou na década de 1990 com o humor simples e cotidiano de séries clássicas como Friends, Seinfield e Will e Grace, programas que duraram muitas temporadas apostando em uma fórmula simples, como as relações entre seus personagens, um humor simples, piadas de fácil entendimento e, excetuando alguns raros momentos, situações que sempre levaram as coisas mais pro campo da comédia que do drama e ajudavam seus telespectadores a olhar a vida com mais otimismo.
A evolução do gênero na década de 2000
Tal fórmula continuou sendo usada com a chegada do novo século. Programas como The Big Bang Theory, The Office, Parks and Recreation, 30 Rock e Modern Family foram sucesso de público e crítica (alguns chegaram inclusive a vencer prêmios do Emmy) usando a mesma fórmula que consagrou Friends, mas já apostando em pequenas mudanças.
Nessas séries (e em outras famosas da época, como How I Met Your Mother) já existia um tom de ironia maior que nas dos anos 90, um humor um pouco mais ácido, referências à cultura pop e uma outada de originalidade que já mostrava que o gênero – diferente do engessado drama – sabia que precisava evoluir.
Em algumas, como no caso de How I Met Your Mother, arcos inteiros com um peso mais dramático chegaram a ser explorados, algo que poucas séries do gênero se arriscavam a fazer à época.
Mas era preciso ir além. E com os últimos anos, ficou cada vez mais claro que os produtores do gênero estavam entendendo isso e dispostos a mudar.
A chegada da melancolia enquanto elemento de base
O caminho escolhido de uns anos para cá parece mais claro quando analisamos as séries de comédia de maior sucesso crítico dos últimos anos: A aposta em um tipo de humor melancólico, um pouco dramático e que nem de longe lembra a alegria e o “mundo perfeito” que fez o gênero um dia famoso.
Atlanta, por exemplo. Vencedora de Emmys e outras premiações nos últimos dois anos, a série é a maior realização da carreira de Donald Glover até aqui e, mesmo sendo uma comédia, levanta reflexões sobre temas importante como contracultura e racismo. Pelas lentes e mãos de Glover, a história de Earl (interpretado pelo próprio) tem, de fato, momentos divertidos, mas se destaca pelo tom crítico que assume a cada episódio e faz com que cada um que assistia pense um pouco mais sobre a vida – e sobre o seu próprio lugar no mundo.
Na mesma linha, Dear White People, da Netflix, também destaca essas questões e faz uso de um humor satírico e que mostra o racismo em uma faculdade dos Estados Unidos, um dos países considerados mais segregativos ainda hoje.
A depressão também tem sido usada como ponto de partida para inserir esse tipo de humor melancólico. Barry (HBO) e Kidding (Showtime), por exemplo, são duas excelentes séries de comédia que apostam nessa veia mais dramática e até mesmo um pouco triste, que apostam em protagonistas que vivem uma vida infeliz, em queda livre e cheia de problemas. Os episódios de ambas, então, são recheadas de situações em que os protagonistas precisam aprender a confrontar o rumo que suas vidas tomaram, envoltos em uma espiral melancólica e às vezes solitária.
O futuro
E, aparentemente, o gênero só tende a crescer. fazendo até mesmo os clássicos produtores de conteúdo apostarem nesse tipo de humor. The Kominsky Method, nova série de Chuck Lorre (criador das escrachadas Two and a Half Men e The Big Bang Theory), por exemplo, também aposta na melancolia para falar sobre envelhecimento e o tempo.
É um movimento que tende a crescer cada vez mais, com o reconhecimento que essas séries tem ganhado, tanto em premiação, quanto em apelo crítico.
O futuro, pelo menos nas comédia, é melancólico. E, ironicamente, é isso que está fazendo o gênero voltar aos seus dias de glória.
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